Reportagem: Maternidade ignorada e "efeito-tesoura" atrasam avanço de mulheres na ciência
Por Amanda Gorziza. 23 maio 2023.
Revista Piauí.
A partir do relato de algumas bolsistas Capes, pesquisadoras em nível de doutorado e mestrado, a jornalista aborda as dificuldades das mulheres nas carreiras científicas. Entre elas, está o assédio de orientadores para que não tenham filhos, a dificuldade para pedir e conseguir prorrogação da bolsa em caso de licença-maternidade e a mudança da rotina, diminuição da produtividade e desligamento de programas de pós-graduação, após o nascimento de um filho. A maternidade, portanto, acaba sendo o motivo mais recorrente de desistência e afastamento das mulheres de suas carreiras. Os próprios documentos de avaliação de áreas de conhecimento disponibilizados pela Capes apresentam pouquíssimas menções aos critérios de avaliação flexibilizando questões relacionadas à maternidade.
"Das 49 fichas de avaliação da
Capes, documento que apresenta o método de avaliação dos programas de
pós-graduação, somente oito (ou 16%) fazem menção à maternidade e flexibilizam
alguns dos critérios. São elas: ciências biológicas II, direito, administração
pública e de empresas, ciências contábeis e turismo, economia, sociologia,
antropologia/arqueologia e ensino interdisciplinar. A área de educação menciona
licença de forma geral, mas não especifica a maternidade. As outras quarenta
áreas (ou 82%) não adotam em seus documentos de avaliação nenhuma ação
relacionada à maternidade. Esses dados foram coletados e analisados pela
organização Parent in Science,
que tem como objetivo discutir a parentalidade no ambiente acadêmico".
"Em janeiro deste ano, a
organização enviou uma carta para a Capes solicitando a inclusão de um campo de
preenchimento exclusivo para licença-maternidade, paternidade e adotante na
Plataforma Sucupira, que reúne informações de discentes e docentes de
pós-graduação no Brasil. O Conselho Técnico Científico da Educação Superior do
órgão se reuniu em março e aprovou as adequações técnicas na plataforma, que já
se encontra disponível. Em 2021, o Parent in Science também foi essencial para
que o CNPq criasse um espaço no currículo Lattes para registrar o período de
licença-maternidade".
O Parent in Science surgiu em
2016 reunindo jovens docentes e pesquisadores que tentavam conciliar a carreira
acadêmica e o cuidado com os filhos. Hoje o movimento conta com mais de noventa
cientistas de todo o Brasil – e tem como intuito discutir o impacto dos filhos
na carreira científica de mulheres e homens. O movimento defende a
implementação de políticas públicas que estimulem a reentrada de mães na
pesquisa para que elas possam voltar a se dedicar à carreira acadêmica.
Estudo na revista
Nature mostra que enquanto 63% dos pais docentes concordam completamente que
ter filhos não mudou a percepção de seus colegas e superiores sobre seu
comprometimento ou competência no trabalho, apenas 35% das mães têm a mesma
opinião. Além disso, homens com filhos concordaram plenamente que tiveram tanto
acesso a oportunidades profissionais quanto seus colegas em uma taxa mais alta
(72%) do que mulheres com filhos (43%). "Esse preconceito de gênero pode ser
considerado uma microagressão, tendo consequências negativas no desempenho e
permanência da mulher na academia, afetando não só a autoconfiança das mães,
mas também um bem muito valioso: sua avaliação na universidade", afirma a
pesquisa.
Para obter financiamento para sua
pesquisa, é comum que os pesquisadores passem por avaliações de produtividade.
Por isso o período de afastamento para cuidar de um bebê gera uma lacuna que
pode levar até quatro anos para ser recuperada, mostra estudo
da Parent in Science.
Além da maternidade ser um entrave para cientistas e muitas vezes colocar mulheres fora do sistema, há outra tendência de desigualdade de gênero na universidade: o efeito-tesoura. Esse movimento é caracterizado pela redução de mulheres na ciência em cargos mais elevados e, mesmo quando há doutoras disponíveis, elas são sub-representadas na docência.
Um levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa/Iesp-Uerj), apoiado pelo Instituto Serrapilheira, mostra a dimensão desse fenômeno no Brasil. Os dados fazem parte de uma pesquisa maior que busca entender os processos de reprodução de desigualdade de gênero e raciais no ambiente científico:
"A área de astronomia/física tem 26% de doutoras, mas apenas 15% de professoras. Para além do efeito-tesoura, há uma baixa presença de mulheres em geral nessa área tanto no Brasil quanto em outros países. Já a área de economia tem 37% de doutoras, mas apenas 20% mulheres docentes. Nas ciências biológicas, há paridade de gênero entre docentes, com quase 50% de mulheres professoras em programas de pós-graduação. Porém esse percentual ainda é inferior à quantidade de doutoras na área (65%). Mesmo em áreas predominantemente femininas, elas também enfrentam obstáculos na ascensão acadêmica".
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